segunda-feira, 17 de março de 2008

Momentos de ruptura da nossa história

A História de Portugal está repleta de episódios que mostram o avanço no conhecimento do mundo provocado pelo movimento de Expansão Marítima, iniciado no início do século XIV. As viagens de exploração atlântica e a presença de europeus na costa africana viriam a quebrar com todo um manancial cultural baseado na imaginação e no "ouvir dizer". Com os Descobrimentos, os portugueses puderam então alterar o quadro mental de uma Europa agarrada ao imaginário de seres fantásticos que povoavam águas e terras no Meridião. Este trecho é bem o exemplo de um salto qualitativo no conhecimento da realidade, porque observada e não imaginada. Porque, como diria Duarte Pacheco Pereira, «a experiencia é a madre de todalas cousas»:



«O senhor Infante ficou a saber por eles [os árabes] o caminho para chegar a Tambucutu. Disseram-lhe muitas mentiras. Disseram os árabes quando vão de Adém para Tambucutu levam de 400 a 500 camelos em fila e que encontraram no caminho uma grande montanha a que dão o nome de Montanha de Abofur; disseram que essa serra era povoada de gente de maravilhar, por tal forma que os machos têm vulto de cão e uma grande cauda e são peludos ao passo que as mulheres são de muita beleza e de grandes ancas. E diziam muitas outras coisas que se via que eram mentira. (...) Estas coisas que aqui se escrevem, damo-las com a devida vénia do ilustríssimo Ptolomeu, que muito de bom escreveu acerca da divisão do mundo, mas nesta parte enganou-se. Escreveu, com efeito, que o mundo se dividia em três partes: uma povoada, que ficava a meio do mundo; a setentrional, segundo escreveu, não era povoada devido ao frio excessivo; escreveu também que a parte equinocial do meridião era também desabitada por causa do calor excessivo. Descobrimos que tudo era diferente, pois o polo árctico vimo-lo habitado até para além do prumo do polo e bem assim a linha equinocial habitada também por negros e em tão grande multidão de gente que custa a acreditar; a parte meridional está coberta de árvores e de frutos, ainda que os frutos sejam de natureza fora do comum e as árvores sejam de tal grossura e tão altas que não dá para crer. Sem mentir digo que vi uma grande parte do mundo, mas nunca vi coisa semelhante a esta.» [negrito meu]
Diogo Gomes de Sintra, Descobrimento Primeiro da Guiné [séc. XV], Lisboa, Edições Colibri, 2002.

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